20.4.09

Filho do vento

De tanto filho que já tinha parido, a mãe resolveu escolher o nome desse na hora do nascimento. O vento sul soprava com toda força naquela noite de junho, e depois de um parto exaustivo, a matriarca decretou: vai se chamar Vendavaldo.
O tempo voou e logo Vendavaldo corria pelas trilhas da Costa da Lagoa junto com a piazada. O guri era avoado, toda vida esquecia da hora. Quando se dava conta da bronca que ia levar, voltava voando pra casa com alguma desculpa que a mãe cansada fingia acreditar.
Aos treze, pra ajudar na despesa da casa, Vendavaldo começou a trabalhar com os barqueiros na travessia de turistas na baleeiras. Quando batia o vento sul e todo mundo corria pra dentro de casa, ele entrava na baleeira pra sentir melhor a friagem e ouvir o assobio do vento no canavial da margem.
A escola o Vendavaldo já havia largado há tempos. Era muito cabeça de vento pra ficar grudado numa carteira. Mas era tinhoso, pé de vento, e logo começou a chamar a atenção das raparigas da comunidade. Contador de história, vez ou outra convencia uma delas a encarar de frente o vento sul sobre a água da Lagoa, que chegava a encrespar com a força do sopro da natureza.
Com dezessete Vendavaldo já era pai. Seu pensamento voava longe, a vontade de voar junto só crescia, embora se sentisse cada vez mais amarrado à comunidade.
Foi numa semana de lestada que veio a chamada para a aeronáutica. Era a desculpa perfeita pra levantar vôo dali. Depois da despedida da mãe, da mulher e da filha Ventalina, partiu de baleeira e depois de ônibus pra um novo mundo, cheio de regras e disciplina. Mas sua mente continuava voando, até que veio o primeiro treino aéreo e, diferente dos colegas, Vendavaldo não teve medo. Furou a fila, pulou e, mesmo com a demora do acionamento do pára-quedas e da rajada de vento que o levou pra longe do alvo, ele se manteve plácido e sorridente. Aquilo era o que ele queria. E a vida lhe deu a chance de unir o útil ao agradável.
Agora só volta pra Costa duas vezes por ano, pra ver a a mãe e a filha - que a mulher já está com outro, bem mais pé no chão. E é quando mata a saudade do camarão ensopado, do pirão de nylon, da cocoroca e claro, do pastel de vento.

7 comentários:

Dadivosa disse...

que lindo, aline!!!

Frank Maia disse...

Vendavaldo, fecha a jinela pq esse rebojão vai deixá a Ventalina constipada. Pamperô do demonho!

Surfe Catarinense disse...

Por acaso o menino foi concebido tbém num dia que entrou um p.. de vento sul?

Dauro Veras disse...

Adorei!

compoteira disse...

ai que bonito, aline.
quero ler mais desse!

beijo

Laura disse...

lindo lindo!
beijos

Rachel Kleinubing disse...

Amiga, que coisa linda. Escreva mais!